
Hoje fui ao mercado e presenciei um retrato da nossa cultura da Páscoa atual: carrinhos lotados, filas enormes, crianças pedindo mais chocolate (açúcar) e adultos eufóricos no automático.
Me perguntei: quantas daquelas pessoas estavam realmente conscientes do que estavam fazendo?
Confesso que me pareceram poucas. A maioria apenas repetia um padrão, empurrada por um calendário que dita o que comprar, quando comprar e por que comprar.
É louco como essas datas viram gatilhos de consumo em massa, parece que as pessoas entram num transe coletivo, repetindo comportamentos que nem questionam mais. Tudo embalado num clima de “celebração”, mas que no fundo revelam uma onda de intoxicação.
A repetição disfarçada de celebração na Páscoa
A promessa da Páscoa é renascimento, mas o que acontece, na prática, é repetição.
Um ano se passou desde a última e, se você não parou para observar, talvez esteja fazendo exatamente as mesmas coisas de sempre:
- Comprando demais
- Comendo demais
- Vivendo no automático
Conduzido por padrões coletivos, por propagandas sedutoras e por um coelho que perdeu completamente o juízo.
Segundo o National Institutes of Health (NIH), mais de 60% das calorias consumidas nos Estados Unidos vêm de alimentos ultraprocessados, como doces, refrigerantes e comidas industrializadas. Esses produtos estão diretamente ligados ao aumento de desequilíbrios como obesidade, diabetes tipo 2 e depressão. E, não por acaso, são os mesmos que lotam as prateleiras nesta época do ano.
– Alimentos que Causam Tristeza: A Gastronomia das Sombras
Herança de hábitos: o vício começa cedo
É aqui que precisamos fazer uma pausa séria.
Porque não se trata apenas de adultos comprando em excesso, trata-se de pais, mães e cuidadores viciando suas crianças em açúcar desde muito cedo, sem perceber.
O que damos para nossos filhos comerem é o que ensinamos a eles sobre prazer, afeto e recompensa.
E, quando o doce se torna a solução para o tédio, o choro ou a agitação, estamos plantando compulsões futuras com as próprias mãos em nossas crianças.
Estudos mostram que o consumo excessivo de açúcar durante a infância está ligado a déficits cognitivos. Um estudo publicado no American Journal of Preventive Medicine apontou que crianças expostas ao excesso de açúcar na gestação e na primeira infância tiveram pontuações mais baixas em testes de inteligência e memória.
Outro estudo, da Universidade da Califórnia, mostrou que o açúcar altera a microbiota intestinal e impacta diretamente o hipocampo, a área do cérebro responsável pela aprendizagem e pela memória.
Conduzir uma criança no mundo exige responsabilidade e isso requer olhar primeiro para dentro.
A mensagem esquecida
A essência da Páscoa é muito mais profunda do que aparenta.
Na tradição cristã, é sobre morte simbólica e transformação interior.
Na tradição judaica, é sobre libertação de padrões antigos.
Ambas nos convidam a uma escolha:
- Romper com o velho modelo de pensamento
- Recomeçar com consciência
- Viver com mais presença e verdade
Mas, ao invés disso, trocamos o silêncio por barulho, a reflexão por consumo, a renovação por um looping disfarçado de feriado.
Por onde começar a renascer?
Não adianta apenas apontar o problema. É preciso abrir caminhos e se há um desejo sincero de mudança, o primeiro passo é sempre o mesmo: tomar consciência.
1. Consciência é o primeiro passo e também o mais desafiador
A maioria dos adultos hoje nunca aprendeu a lidar com frustração, tédio ou desconforto sem algum tipo de “recompensa” imediata. Para muitos, o açúcar foi afeto, escape, consolo.
E, sem perceber, acabam repetindo isso com seus filhos, enchendo de doces o que poderia ser preenchido com presença.
Perguntas que ajudam a iniciar esse olhar:
- Quando eu ofereço doce, estou tentando resolver qual necessidade?
- O que eu mesmo faço quando estou ansioso ou frustrado?
- O que eu estou ensinando sobre prazer, recompensa e autocuidado?
2. Substitua o automático por escolhas simbólicas
Páscoa não precisa ser sinônimo de chocolate, pode ser a chance perfeita de ensinar sobre significado, cuidado, pausa.
Exemplos práticos para pais:
- Crie um ritual com as crianças que envolva tempo juntos: plantar algo, pintar ovos naturais, montar um café da manhã especial com frutas, pães caseiros, chás.
- Envolva seus filhos na escolha de um presente com valor simbólico, como um livro, um jogo colaborativo ou uma experiência na natureza.
3. Educar é, antes de tudo, transformar a si mesmo
A mensagem central aqui, é você olhar com sinceridade para o quanto está presente nas escolhas que faz por si e pelos seus filhos.
Mais importante do que dar bons alimentos é oferecer bons exemplos. Uma criança que vê seus pais lidando com ansiedade sem comer compulsivamente aprende algo que nenhum ovo ensina: autonomia emocional.
“Crianças não precisam de mais açúcar.
Precisam de mais adultos conscientes à sua volta.”
Conclusão
Essa Páscoa talvez não precise de chocolate.
Precise de pausa.
De presença.
De um novo ciclo nascendo aí dentro.
Não siga o coelho doido, siga sua consciência e observe seus padrões.
E, se for pra renascer, que seja como você realmente é, e não como o algoritmo, o mercado ou o calendário esperam que você seja.
